domingo, 27 de fevereiro de 2011

Educação X Ressocialização

Olá meus queridos...peço licença para dividir algo com vocês: não caibo em mim de tanto orgulho!
Explico porque.
Quando decidi me tornar professora, um dos motivos que me levou à carreira foi um questionamento que costantemente me atormentava: o que eu posso fazer pra mudar esse mundo doido em que a gente vive? Qual pode ser a contribuição efetiva que eu posso dar à sociedade?
Quando assumi a cadeira de direito penal II, onde estudamos a teoria da pena, comecei a refletir sobre a situação dos presidiários, principalmente sobre a nossa visão sobre essas pessoas.
Conversando com os alunos, percebi que a maioria vê tais pessoas como merecedoras de tudo de ruim que o mundo possa oferecer, afinal, praticaram crimes...
Diante disso, sempre procurei mostrar o outro lado da situação, buscando fazer com que os alunos "saíssem do senso comum" e olhassem aquelas pessoas como seres humanos que estão pagando uma dívida com a sociedade, e que precisam ser tratados com respeito, e não como "feras humanas".
Confesso que não raras vezes "comprei" briga com muita gente, e que muitos alunos ficavam verdadeiramente contrariados com a posição da profe (risos).
A verdade é que sempre acreditei que a educação fosse a mola propulsora de um mundo melhor, e que dentro da penitenciária, seria a efetiva chave da ressocialização/reeducação.
Agora, tenho certeza disso.
Acabei de assistir a um vídeo elaborado por dois alunos meus, no qual presidiários relatam as mudanças que sentiram a partir do trabalho que esse meu aluno faz dentro da penitenciária. O trabalho de um desses meus alunos consiste em trabalhar a autoestima, mediando conflitos internos, e buscando desenvolver a cidadania nos presos.
São emocionantes os depoimentos colhidos, verdaeiros testemunhos que todo mundo, desde que auxiliado, pode sim construir uma vida nova, melhor.
Eu acredito nisso e procuro construir ou fortalecer nos meus alunos, pessoas em quem deposito um carinho todo especial, essa nova perspectiva.
Talvez sozinha eu não consiga fazer um mundo melhor. Mas tenho certeza que juntos, poderemos fazê-lo.
Ai, ai, que feliz que eu estou!

Parabéns, parabéns, parabéns pelo trabalho meninos.
Que orgulho de vocês.

Boa semana à todos,
Michele

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Lei Maria da Penha aplicada para relação entre homens

Olá pessoal, encontrei a notícia que segue no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e, por achá-la interessante, compartilho-a com vocês:

Aplicando a Lei Maria da Penha à relação homossexual, o Juiz da Comarca de Rio Pardo Osmar de Aguiar Pacheco concedeu medida protetiva a homem que afirma estar sendo ameaçado por seu companheiro. A medida, impedindo que ele se aproxime a menos de 100 metros da vítima, foi decretada no dia 23/2.

O magistrado observou que, embora a Lei Maria da Penha tenha como objetivo original a proteção das mulheres contra a violência doméstica, todo aquele em situação vulnerável, ou seja, enfraquecido, pode ser vitimado. Ao lado do Estado Democrático de Direito, há, e sempre existirá, parcela de indivíduos que busca impor, porque lhe interessa, a lei da barbárie, a lei do mais forte. E isso o Direito não pode permitir!

Destacou que o artigo 5º da Constituição (todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza), deve ser buscado em sua correta interpretação, a de que, em situações iguais, as garantias legais valem para todos. No caso presente, todo aquele que é vítima de violência, ainda mais a do tipo doméstica, merece a proteção da lei, mesmo que pertença ao sexo masculino.

Salientou ainda que a vedação constitucional de qualquer discriminação e mesmo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, (...) obrigam que se reconheça a união homoafetiva como fenômeno social, merecedor não só de respeito como de proteção efetiva com os instrumentos contidos na legislação. 

Dessa forma, concluiu, o autor da ação que alega ser vítima de atos motivados por relacionamento recém terminado, ainda que de natureza homoafetiva, tem direito à proteção pelo Estado. Decretou a medida de proibição do ex-companheiro de se aproximar mais que 100 metros da vítima e reconheceu a competência do Juizado de Violência Doméstica para jurisdição do processo.

Tal decisão revela, mais uma vez, o direito nas suas inúmeras formas de interpretação.
E vocês, o que pensam a respeito?

Abraços,
Michele

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Imunidades parlamentares - vereadores

Olá pessoal,

Creio que muitos de vocês já devem ter ouvido falar em imunidade parlamentar, não é?

Vocês sabem do que se trata? Trata-se de verdadeira prerrogativa atribuída aos detentoteres de mandato eletivo, em razão dos cargos que exercem e não da pessoa eleita, a fim de garantir-lhes a mais ampla liberdade de expressão, a fim de evitar que sejam tolhidos em sua atuação pelo receio de virem a responder penal ou civilmente por seus pensamentos ou votos. 

Sua previsão encontra-se na Constituição da República Federativa do Brasil, nos artigos 53 (deputados federais e senadores) e 27, § 1º (deputados estaduais) e 29, VIII (vereadores), e são as imunidades de duas ordens: material (penal ou absoluta) e processual;  

Enquanto a imunidade dos deputados federais, estaduais e senadores possuem imunidade quando as manifestações proferidas no exercício de suas funções em todo o território nacional, os vereadores têm limitação quanto a abrangência das imunidades parlamentares, eis que estas restringem-se ao âmbito da circunscrição municipal, no exercício do seu mandato.

Neste sentido:

Apelação Cível n. 2010.042610-2, de Santo Amaro da Imperatriz
Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. DIVULGAÇÃO DE FATOS CONSUBSTANCIADOS EM DOCUMENTOS PÚBLICOS. ELABORAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO POR VEREADORES DA CÂMARA MUNICIPAL. PRELIMINAR AFASTADA. ALEGADA OFENSA À HONRA, À DIGNIDADE E AO DECORO VIA PUBLICAÇÃO EM JORNAL DE CIRCULAÇÃO LOCAL ("JORNAL DO PMDB"). IMUNIDADE MATERIAL DOS PARLAMENTARES MUNICIPAIS QUE, ALÉM DE LIMITADA À CIRCUNSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO, DEVE ESTAR RELACIONADA À FUNÇÃO PÚBLICA EXERCIDA. EXEGESE DO ART. 29, VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MATÉRIAS PUBLICADAS QUE TINHAM POR FINALIDADE PRECÍPUA ATACAR A FIGURA PÚBLICA DO AUTOR (PREFEITO MUNICIAPAL). INEXISTÊNCIA DE ANIMUS NARRANDI A JUSTIFICAR A CONDUTA. RESPONSABILIDADE EVIDENCIADA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. DANOS MORAIS PRESUMIDOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$ 20.000,00. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.
Se a 'opinião' externada, alegadamente em função do exercício de munus público, suplantou os limites da crítica política, adentrando na esfera íntima do agente político ofendido, oseu teor não é protegido pela imunidade parlamentar. Relativiza-se a imunidade para que, de um lado, não sirva como salvo-conduto para ofensas de toda ordem, e, de outro, restem preservados os valores atinentes à personalidade da vítima. (AC n.º 2007.030477-2, Des. Subst. Henry Petry Junior).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.042610-2, da comarca de Santo Amaro da Imperatriz (Vara Única), em que é apelante Nelson Isidoro da Silva e apelados Diretório Municipal do PMDB de Santo Amaro da Imperatriz e outros:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por maioria de votos, afastar a preliminar e, no mérito, dar provimento ao recurso. Custas legais.

Vale ainda lembrar: Prefeito Municipal não possui imunidade material ou processual!

Até a próxima,
Michele

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Homicídio contra gêmeos xifópagos - dolo direto, dolo eventual ou culpa?

Olá pessoal, tudo certinho?

Há alguns dias fui consultada sobre a possibilidade de ministrar a matéria de direito penal III, onde se inicia o estudo da parte especial do Código Penal. Como já havia ministrado tal disciplina há algum tempo, resolvi dar uma "refrescada" na memória com a leitura de alguns bons doutrinadores que tratam sobre o assunto, dentre os quais José Henrique Pierangeli.
Em sua obra, encontrei uma discussão super interessante sobre a questão do elemento subjetivo do agir no caso do crime homicidio cometido contra gêmeos xifópagos, ou siamêses, como são mais conhecidos.
De acordo com o referido autor, discute-se se há um ou dois homicídios, no caso da prática do crime. Esclarece que, como regra, ainda que a ação do agente objetive a morte de somente um dos irmãos, responderá o agente por duplo homicídio doloso, pois seu ato acarretará, por necessidade lógica e biológica, a supressão da vida de ambos, eis que, geralmente, a morte de um acarreta a morte dos dois. Em relação a vítima visada o dolo é direto de primeiro grau, enquanto à segunda vítima o dolo é direito de segundo grau.
Dolo direito compõe-se de 3 aspectos: a) representação do resultado, dos meios necessários e consequências secundárias; b) o querer o resultado, bem como os meios escolhidos para a sua consecução, c) o anuir na realização das consequências previstas como certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios.
Em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos, o dolo direto é classificado como de primeiro grau, e, em relação aos efeitos colaterais, representados como necessários, é classificado como de segundo grau. Os fins propostos e os meios escolhidos (pq necessários ou adequados à realização da finalidade) são abrangidos imediatamente pela vontade consciente do agente; já os efeitos colaterais representados como necessários são abrangidos mediatamente pela vontade consciente do agente, mas a sua produção necessária os situa também como objetos do dolo direto: não é a relação de imediatidade, mas a relação de necessidade que os inclui no dolo direto.
Quando se trata do fim diretamente desejado pelo agente, denomina-se dolo direto de primeiro grau e quando o resultado é desejado como consequência necessária do meio escolhido ou da natureza do fim proposto, denomina-se dolo direito de segundo grau ou dolo de consequências necessárias.
Ex: há dolo direto de primeiro grau quando o sujeito, querendo matar alguém, desfere-lhe um tiro para atingir o fim pretendido. Há dolo direito de segundo grau quando o agente, querendo matar alguém, coloca uma bomba no automóvel de determinada autoridade, que explode, matando todos.

Procurei na jurisprudência algum julgado tratando do tema, mas, face a peculiaridade, não encontrei nada a respeito.

Outra questão interessante e bastante discutida na doutrina e na jurisprudência é sobre o aborto de fetos anencéfalos...mas isso é matéria para o próximo post!

Comentem! Gostaria muito de saber a opinião de vocês sobre o tema!

Abraços,
Prof. Michele

Bibliografia:
PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro V. 2 - Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Evolução histórica da pena

Desde os primórdios, o homem não vive senão em sociedade, assim entendida como uma organização de pessoas aglutinadas para a realização de fins comuns.
Para a manutenção da ordem nas sociedades, buscaram estas estabelecer certas normas de observância obrigatória. O direito, assim, surgiu das necessidades fundamentais das sociedades humanas, que são reguladas por ele como condição essencial à sua sobrevivência. Assim, surgiram normas para regular as relações no campo civil, trabalhista, administrativo, penal, dentre outros.
Todo evento ou prática que contraria a norma de Direito insere-se no conceito de ilícito jurídico, cuja forma mais grave é o ilícito penal, haja vista tutelar os bens mais importantes da sociedade, como a vida, o patrimônio, a incolumidade pública, a administração pública, etc.
A fim de coibir a prática de atos tendentes a violar tais bens, o Estado, além de estabelecer condutas típicas, passou a estabelecer sanções, com vistas a tornar invioláveis os bens que protege. A mais grave das sanções estabelecidas é a pena, através da qual o Estado busca constranger o autor de um ilícito a submeter-se a um mal que corresponda a gravidade do dano por ele causado.
Historicamente, o direito penal passou por diversas fases.
Nas sociedades primitivas, punia-se o infrator para acalmar a divindade, e pena significava nada mais do que vingança, não sendo proporcional ao injusto causado.
Nesta fase, conhecida como vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima ou de seus familiares ou grupo social (clã, família ou tribo), que agiam de forma desmedida, sem se preocuparem com proporção à ofensa, podendo atingir não só o ofensor, mas, caso quisessem, também todo o seu grupo.
Face a desproporcionalidade verificada entre a ofensa e a resposta, surgiu a Lei de Talião, estabelecendo parâmetros para a imposição das penas, instituindo uma reação proporcional ao mal praticado. Daí o famoso brocardo “olho por olho, dente por dente”.
Tal instituto foi seguido em várias ordenações, como o Código de Hamurábi, da Babilônia (séc. XVIII a. C.), os livros da Bíblia (Pentateuco) e a Lei das XII Tábuas, de Roma (séc. V a. C.).
Na segunda fase, conhecida como da Vingança Divina, vinculou-se a influência decisiva da religião na vida dos povos antigos. A repressão ou castigo era voltado à satisfação da divindade ofendida pelo crime, cabendo ao sacerdote a imposição de rigoroso castigo, aplicado com notória crueldade, uma vez que guardava relação com a grandeza do deus ofendido. As penas eram severas e desumanas, visando especialmente a intimidação.
Um dos maiores exemplos dessa época é o Código de Manu, na Índia, que estabelecia uma divisão em castas com o objetivo de purificação da alma do criminoso através do castigo.
A partir do momento em que houve uma maior organização social, o Estado passou a chamar para si a responsabilidade de definir quais eram os delitos e quais condutas constituiriam crimes e suas respectivas sanções, estabelecendo assim o caráter retributivo, preventivo e ressocializador do Direito Penal. Atinge-se a chamada fase da vingança pública.  
Ainda nesta fase, a pena, como antes, mostrava-se severa e cruel, buscando proteger o príncipe ou soberano que, diga-se, afirmava agir em nome da divindade, ainda confundindo a punição com a idéia de religião.
Vale registrar que os príncipes ou soberanos viam na pena mais do que uma forma de punir, simplesmente. Era ela o símbolo do poder, uma forma de amedrontar todos aqueles que se opusessem aos interesses dos governantes. As penas eram, de regra, aplicadas em praça pública, com obrigação dos populares assistirem aos martírios e suplícios.
Havia dilacerações, mutilações, penas capitais, exposição de vísceras, tudo como forma de demonstrar o poder absoluto do soberano.
Em processo de evolução, ao final desse período, a pena livrou-se de seu caráter religioso, transformando a responsabilidade do grupo em individual (do coletivo para o autor do fato), o que, apesar de estar longe da idéia de pena que hoje vigora, representou efetiva contribuição ao aperfeiçoamento de humanização dos costumes penais.
Surgiu, então, o que se conhece como fase humanitária da pena, que, diante das arbitrariedades, buscou estabelecer uma pena proporcional ao crime. Tais ideais surgiram com o Iluminismo, e, a partir da obra “Dos delitos e das penas”, de César Bonesana, o Marquês de Beccaria, ganharam força.
Segundo Beccaria, o objetivo da prevenção geral não precisava ser feito pelo terror, mas sim pela certeza da punição. Em seu livro, insurgiu-se contra a pena de morte e a tortura e insiste na necessidade de separação entre a justiça divina e a justiça humana, sustentando o princípio da legalidade e da presunção de inocência, defendendo como propósito da pena, a intimidação do cidadão e a recuperação do delinqüente.
Tais idéias lançadas por Beccaria ganharam cada vez mais força no universo jurídico, sendo, inclusive, incorporadas em diversos preceitos da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789.
A concepção atual da pena é de que se trata de um instrumento repressivo dotado de tríplice finalidade: retributiva, repressiva e ressocializadora. Possui limites pré-estabelecidos e princípios de observância obrigatória, como o da dignidade da pessoa humana, da retroatividade benéfica da lei penal, da personalidade, da individualização, da proporcionalidade, dentre outros.
Além disso, determinadas penas são proibidas, principalmente no ordenamento jurídico brasileiro, como pena de morte, de banimento, degradantes, de trabalho forçado, de caráter perpétuo, penas cruéis.
Muitas dúvidas e discussões cercam a matéria relativa a pena.
Seriam as penas muito brandas? Seriam as penas muito severas? Seria o sistema prisional falho? Estaríamos conseguindo atingir as finalidades as quais a pena se destina? Estas são apenas algumas das questões que permeiam o tema.
E vocês, o que pensam a respeito? Aguardo as participações!!!

Abraços,
Michele.

Bibliografia utilizada:
JESUS, Damásio de. Direito Penal. 1º Volume – Parte Geral. São Paulo, Saraiva.
ESTEFAM, André. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva.
ISHIDA, Válter Kenji. Curso de Direito Penal. São Paulo: Atlas.
MANZANO. Luis Fernando de Moraes. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas.